Então eu o vi sentado no canto da sala, sozinho, sereno em seu sono profundo, sentei ao seu lado e segurei sua mão, durante aquele instante eu consegui perdoá-lo.
Durante muito tempo eu fiquei cega por esse sentimento que eu julgava amor, mas não tinha outro nome, era gravitacional a nossa relação, uma atração que não justifica. Depois de tanto tempo nos encontramos de novo, tantos meses e dias e horas se passaram longe dele, longe dos beijos, dos carinhos, abraços, senti tanta falta dos momentos. E então quando menos esperava uma reaproximação repentina aconteceu, juntos estávamos ali entre amigos, entre a sua família, e eu ingênua, tão frágil diante de um sentimento tão forte, resolvi que aquela preocupação com o futuro que um dia eu tive poderia ser o stopim daquela época, de quando terminamos, foi ai que eu deixei que as coisas acontecem.
Tardes no sábado, no domingo, meus dias de folga, mentiras pra encobrir os encontros, felicidade, não teria outra palavra se não essa, felicidade, cada letra, cada silaba, um uníssono, um grito diante dos meus sonhos se tornando realidade diante dos meus olhos.
Dessa vez não tinha preocupação, não tinha maquina fotográfica, não tinha suspeitas, eu me senti forte, realizada, nunca fui mais mulher, também nunca fui menos receosa, eu arrisquei tudo.
Mas os dias passaram, e os encontros ficaram distantes, os telefonemas sumiram e o orgulhou tornou a nos perseguir, eu fui deixando o buraco aumentar dia a dia, um vazio enorme sem precedentes, e eu estava só. Mais uma vez riram de mim pelas minhas costas, riram do meu sentimento, riram da minha verdade, cada momento jogado no vento, jogado em latas de lixo, e já estava acostumada, mas dessa vez não doeu menos, a dor intensa no peito, um buraco grande, preto e triste de novo em seu lugar.
Mentiras, omissões, o quão difícil é contar a verdade, dizer o que sente, quanto tempo se leva para dizer “eu te amo”? Quanto tempo leva pra descobrir uma mentira, pra descobrir uma ilusão, enfim, um sentido, não passou de uma brincadeira, amor barato, fácil, sem compromisso, corpo e mente separados do coração, dois corpos, duas mentes, um só coração.
Não quis procurar, evitei cada lugar que ele estava, decide cortar o mal pela raiz, sonhei por varias noites com o impossível, sonhei com um corpo e uma mente diferente, sonhei com um coração mais humano, menos defeitos, mais qualidades, não um herói, um homem de carne e osso e sentimento, por que será que essas palavras soam utopia, medo, sombra, frio, o que ficou de tudo, dos carinhos, dos beijos e abraços, nada mais fazia sentido.
Eu tentei, mas tive que procurar, então eu o vi sentado no canto da sala, sozinho, sereno em seu sono profundo, sentei ao seu lado e segurei sua mão, durante aquele instante eu consegui perdoá-lo sem saber que ele já não respirava pra mim, que ele não poderia mais abrir os olhos, que ele já não fazia parte do meu mundo. Sem saber que em instantes o fato de ele existir seria apenas uma lembrança. Então abri os olhos e o pesadelo acabou.